SÓ CRISTO?
A igreja evangélica brasileira vive, de
uma forma geral, uma crise de identidade. O que muitas vezes é chamado de
cristianismo, nada mais é que um subcristianismo,
um subproduto do evangelicalismo moderno, que não traz o Evangelho puro e
simples, antes, traz um “evangelho” ao gosto do “freguês” (também chamado de
“crente”).
Uma das máximas da Reforma Protestante
do século XVI é o “Solus Christus”,
expressão latina que quer dizer “Só Cristo”, demonstrando e afirmando a
suficiência total do Senhor Jesus na vida da igreja. Um grande problema que a
igreja evangélica tem enfrentado, de forma geral, na atualidade, é que tal
máxima já não faz sentido para alguns. Parece que vive-se na época do “Cristo
mais”. É sempre “Cristo mais alguma coisa”. É “Cristo mais toalhinha”, “Cristo
mais água do Rio Jordão”, “Cristo mais óleo ‘ungido’”, e por aí vai. E, assim,
a suficiência do Senhor Jesus vai sendo solapada grosseiramente.
Entendendo isso, como resgatar uma espiritualidade
genuinamente cristocêntrica nos dias atuais? Para tal, o entendimento aqui é
que três grandes desafios precisam ser superados, e tal superação só pode vir
com mudança. O primeiro desafio a ser vencido é uma mudança da oração mecânica para a oração piedosa.
A oração sincera, piedosa, agradável a Deus tem sido substituída, tragicamente,
por orações vazias, sem sentido e arrogantes. Sem dúvidas os
“tele-evangelistas” são responsáveis por muito disso. Com suas orações
treinadas e nas quais simplesmente ordenam o que Deus deve ou não deve fazer,
os fiéis acabam se espelhando nisso, e desaprendem a orar biblicamente. Deixam
de lado a beleza de uma vida de oração sincera, fervorosa e reverente, para
“falar com o cara lá de cima”. Uma espiritualidade cristocêntrica perpassa pela
oração piedosa, pela oração que, como afirma R. C. Sproul, “[…] é uma conversa com o próprio Deus pessoal.”. O desafio das
orações mecânicas e superficiais só será vencido pela oração fiel, reverente,
fervorosa e piedosa.
O segundo desafio a ser vencido é a
mudança da pregação de autoajuda para a
pregação fiel das Escrituras. Pecado, atualmente, tornou-se um assunto que
não é visto como deveria ser nos púlpitos cristãos. Inferno, justiça de Deus e
expiação limitada, por exemplo, também não são temas comuns de sermões. O que
se prega, em muitas igrejas, são sermões muito palatáveis, adocicados,
extremamente confortáveis (bem diferente de confortantes!) e que não desafiam o
ouvinte a nenhuma mudança de vida. Na verdade, tais sermões simplesmente
alimentam o ego das pessoas, falando o que querem ouvir. Entretanto, não é essa
a forma de se chegar a uma espiritualidade cristocêntrica. Jesus não pregou
sermões palatáveis. Pelo contrário, no muito conhecido Sermão do Monte, o
Senhor Jesus não prega uma mensagem mais suave, para agradar aos seus ouvintes.
Em plena “era da graça”, o Senhor Jesus mostra que a graça é mais rígida que a
Lei, em certos aspectos. É impossível ter uma espiritualidade cristocêntrica no
século XXI se os sermões continuarem rasos, superficiais e fracos de boa
teologia e hermenêutica. Só com sermões encharcados da verdade da Escritura,
sermões que preguem a Cristo como o alvo maior, será possível viver uma
espiritualidade cristocêntrica na atualidade.
Por fim, o terceiro desafio que precisa
ser superado é a mudança do pragmatismo
da missão para a integralidade da missão. Lamentavelmente (e isso se dá como
consequência direta dos sermões pregados), a igreja tem sido vista como nada
mais que um depósito de bênçãos materiais. O problema é que este nunca foi o
propósito de Cristo para a igreja! Pr. Paulo Borges Júnior afirma, de modo
incisivo, que “O que o povo está
procurando em cima do monte hoje só Satanás pode satisfazer […] porque ninguém
está subindo ao monte para fazer sacrifício, mas só pra ser abençoado.”. De
fato, o que se vê são promessas e mais promessas que Deus não prometeu aos seus
filhos, mas que os “pseudo-pastores” atuais prometem como se fossem “direitos
dos filhos do Rei”. Entretanto, essa é uma faceta da “missão pragmática”. É
algo como: “Prometer tudo isso dá certo, enche a igreja. Vamos fazer!”.
Contudo, não é este o propósito de Cristo! Se o desejo é de uma espiritualidade
cristocêntrica, é necessário mudar esse foco do pragmatismo da missão para a
integralidade da missão. É o Evangelho todo para todo homem e para o homem
todo! Certamente a cura física é necessária, certamente suprir necessidades
materiais é necessário, mas este não pode ser o cerne! O cerne é Jesus! É a
obra mediatória, expiatória, substitutiva e redentora de Jesus Cristo! Nisso
está o cerne da missão da igreja! Nisso está o cerne de uma espiritualidade
cristocêntrica.
Pode-se concluir que uma espiritualidade
cristocêntrica nos dias atuais só é possível se a velha verdade do “Só Cristo!”
for relembrada e revivida. Como bem expressou Horatius Bonar: “O verdadeiro e único objetivo é Cristo
somente, o lugar de descanso em que a dúvida, e o cansaço, e as palpitações de
uma consciência inquieta, e os desejos de uma vida insatisfeita podem
aquietar-se. Não a igreja, mas Cristo. Não a doutrina, mas Cristo. Não as
cerimônias, mas Cristo. Cristo, o Deus-homem, deu sua vida por nós, selou a
aliança eterna e deu-nos a paz mediante o sangue da sua cruz; Cristo, o
depósito divino de onde provém toda a luz e verdade: ‘Nele estão escondidos
todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento’ (Cl 2.3); Cristo, o vaso
ilimitado cheio do Espírito Santo, a Luz, o Mestre, o Unificador, o Confortador
de quem ‘todos recebemos da sua plenitude, graça sobre graça’ (Jo 1.16). Ele, e
somente ele, é o refúgio de uma vida aflita e necessitada de um fundamento
sólido e de uma habitação segura até que o tentador esteja finalmente amarrado,
e todo conflito seja transformado em vitória.”. Sem a menor dúvida só
Cristo deve ser o alvo da igreja para que se alcance uma espiritualidade
cristocêntrica na atualidade.
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