A alienação do prazer


Alguns meses atrás eu estava dentro do ônibus indo para o centro de BH, cidade onde moro. Quando o ônibus parou em um sinal, olhei para o lado e vi uma loja cujo nome me chamou atenção: “Escrava da Moda”. Quando vi o nome da loja, imediatamente pus-me a pensar sobre a sociedade na qual vivemos e como um dos “ismos” dos nossos dias tem sido algo que impera nesta sociedade. Refiro-me ao consumismo, ou, como bem disse Luiz Sayão, a “alienação do prazer”.

É fato que vivemos em meio a uma sociedade que se contenta com o consumo, e na qual o homem tem sido reduzido, muitas vezes, a um mero consumidor, um mero comprador que tem dinheiro para gastar. Há pessoas que compram para se distrair, compram para comemorar, compram para aliviar o stress, compram, compram, compram… Este consumismo desenfreado tem sido uma marca da sociedade atual. Os jornais têm noticiado muito mais sobre como o poder de compra da população aumentou ou decresceu, do que noticiando acerca de greves de universidades, por exemplo.

Gostaria, nesta breve reflexão, de pontuar duas coisas que acho fundamentais de serem ditas acerca do consumismo e de que forma este consumismo interfere e tem a ver com a vida cristã. Como bom presbiteriano, vamos aos pontos:

1. O consumismo distorce o sentido principal da existência do homem: Quando observamos o Catecismo Maior de Westminster, a primeira pergunta é: “Qual o fim supremo e principal do homem?”, para a qual temos a seguinte resposta: “O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.” Contudo, o consumismo está mudando o foco disto. Ao invés de o homem viver para glorificar a Deus, o consumismo tem gritado aos quatro ventos: “Glorifique a si mesmo! Consuma e seja feliz! Compre, gaste e seja feita a sua vontade!” o consumismo está desviando a glória que o homem deve dar a Deus para que o homem glorifique a si mesmo através de seu consumo.

Observamos que nosso Senhor Jesus Cristo advertiu acerca de onde está o nosso tesouro: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” (Mt 6:19-21 - ARA). A afirmação de Jesus é pungente! “[…] onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” Amigo leitor, onde está o teu coração? Em produtos que você compra e que, num breve tempo, já enjoa deles; ou seu coração está firmado nas promessas de Deus, em uma vida comprometida com a santidade e a comunhão plena com o Senhor?

O sentido da vida não é o consumo desenfreado, não é a satisfação do nosso ego através das compras, não é o acúmulo de tesouros adquiridos. Não! O sentido da vida é glorificar a Deus! Sem isso, sem viver para a glória de Deus, nada do que você faça será algo agradável a Deus e saudável para você. O consumismo está aí, distorcendo o sentido principal do homem, mudando conceitos e moldando mentes. Mas e você, como cristão, servo de Deus, como tem reagido a este consumismo? Tem se entregado a ele sem questionar, sem “pestanejar”, ou tem resistido à pressão da sociedade atual e permanecido firme no Senhor, ligado a Ele, ajuntando, verdadeiramente, tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói?! Querido leitor, analise sua vida e sua conduta e cuide para não cair na esparrela do consumismo! Mas a conversa não para por aqui.


2. O consumismo é uma distorção dos valores cristãos: Toda ideia, todo conceito de valores cristãos é distorcido pelo consumismo, por essa busca desenfreada pelo prazer refletida no consumo indiscriminado. Luiz Sayão afirmou que: “Para essa mentalidade [consumista], as virtudes como lealdade, fidedignidade, honestidade, honra, têm o eu preço. Basta pagar o preço correto para que qualquer pessoa aceite.”[1]

O que se pode observar é que esta mentalidade consumista tem atingido a esfera religiosa de forma extremamente destrutiva! O evangelho tem sido comercializado em “três vezes sem juros”. É lamentável, mas é a realidade da igreja brasileira hoje, que tem sido assolada pela teologia da prosperidade (ou da miséria). Tudo nesta “teologia” é voltado para riquezas, bens materiais… exemplo disso são os comerciais de divulgação da IURD na Rede Record. Observando estes comerciais pude notar que a grande ênfase é no que foi conquistado (em termos de bens materiais) por aqueles que aderem à IURD. Nada de mencionar Deus, salvação, arrependimento…

O verdadeiro cristianismo diz não ao consumismo e a este prazer alienado e firma-se em promover e desenvolver verdadeiras virtudes cristãs. Nós fomos criados para a glória de Deus e para vivermos da maneira como ele quer que vivamos e a fim de que possamos desenvolver as virtudes que fazem parte da vida cristã sadia e autêntica, e não para que fôssemos meros consumidores, que se alegram simplesmente em gastar.

Para o cristão autêntico, o cultivo dos valores, das virtudes cristãs será algo que trará grande felicidade! Felicidade muito maior do que qualquer quantia de dinheiro possa pagar!


Jesus conta uma história triste de um homem que colocou seu coração nas riquezas, e nos ensina uma frase que resume bem o espírito consumista e o final daqueles que vivem neste caminho. “Mas Deus lhe disse: louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” (Lucas 12.20).

Meu desejo é que você reflita bastante sobre o que o consumismo pode levar, e como o prazer dado pelo consumismo é algo efêmero. Não troque aquilo que é eterno por aquilo que é efêmero! Não desperdice sua vida, não jogue sua vida fora sendo um mero consumidor de mercadorias, vivendo ansioso por sempre querer comprar mais. Viva, de fato e de verdade, para a glória de Deus!


Em Cristo,


Arthur Corrêa


[1] Luiz Sayão, Cabeças Feitas (São Paulo, Hagnos, 2001), p. 48.

Comentários

  1. Caro Arthur
    Grato pela verdade tão bem pontuada a luz das Escrituras. Ouvi, não sei quando, uma frase do Dr. R.Shedd, que aponta para a cosmovisão cristã saudável: "Quando vou ao shopping center vejo o que não preciso." Paulo diz na sua carta aos Romanos no capítulo 14, verso 17:Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Forte abraço.
    Marcelo Germano

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  2. Grande Marcelo!

    Prazer te ter aqui, meu caro.

    Lendo seu comentário lembrei-me de uma frase que pode definir bem esta sociedade consumista: "Compramos coisas que não precisamos, com o dinheiro que não temos para impressionar gente de quem não gostamos." É bem isso que tem acontecido.

    Obrigado pelo comentário extremamente relevante, e que dá um "up" interessante no post. Lançar mão de um ad verecundium de Dr. Shedd é sempre bom, sem falar, é claro, de Paulo.

    Forte abraço! E que Deus o abençoe!

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