Sobre música e graça comum
Hoje, 13 de julho, é o dia mundial do rock. Foi escolhido
o dia 13 de julho pois foi nesta data que, em 1985, grandes bandas de rock se
uniram em dois grandes shows simultâneos, um nos EUA e outro na Inglaterra, em
prol de ajudar no combate à fome na Etiópia (aprendi no blog do Tijs).
Deixando a história um pouquinho de lado, vamos ao que
realmente me interessa abordar neste pequeno texto. É bem possível que você
tropece em pessoas nas ruas que gostam de afirmar que o “Diabo é o pai do rock”,
simplesmente repetindo o que já disse Raul Seixas, ou que ouvir música
“secular” é coisa do capeta, e por aí vai. Bom, primeiramente quero deixar
claro que vejo essas afirmações como mera baboseira, frases soltas sem
fundamento e fruto de uma cosmovisão dicotômica que visa fazer uma divisão
entre o secular e o sacro. Portanto, em segundo lugar, creio que a divisão
entre música “secular” e “sagrada” é algo tosco demais. Por mais que eu admire
Tomás de Aquino, sua ideia dualística de natureza (o mundo inferior, que não é
eclesiástico, metafísico) e graça (os cultos, a adoração a Deus, anjos, etc.)
não foi muito feliz. Schaeffer mostrou a importância da natureza quando afirmou
que “Do ponto de vista bíblico a natureza
é importante porquanto criada por deus e, por isso, não deve ser menosprezada.”[1]. Portanto, não
posso concordar de maneira nenhuma com esta divisão entre sagrado e profano, ou
natureza e graça, como diria Tomás de Aquino, e durante o texto procurarei mostrar
a razão.
Pensando nestas frases e na dicotomia que elas indicam,
vejo que a resposta mais bíblica e coerente para elas é a graça comum de Deus.
Teologando um pouquinho, quero definir brevemente o que é graça comum, mas
primeiro é necessário observar a razão pela qual falo em graça comum. A graça de Deus é comumente
definida como o “favor imerecido” de Deus para com o pecador. Mas a definição
de graça pode ser descrita em duas faces básicas: há a graça especial de Deus,
que é manifesta àqueles a quem Deus quer efetivamente salvar; e a graça comum,
que é manifesta a todas as pessoas. Ou seja, a graça especial, salvadora, portanto,
manifesta apenas a alguns; e a graça comum é manifesta a todas as pessoas, sem
distinção, e não é salvadora. Esta graça comum de Deus se apresenta na
Escritura de forma positiva e negativa. Negativa quando se refere ao ato de
Deus refrear o pecado; e, positivamente, ela se manifesta quando Deus, livre e
soberanamente, decide conceder a todos os homens habilidades e bênçãos, de
diversas naturezas. Ou, mais teologicamente, são “as bênçãos gerais, como a chuva e o sol, a água e alimento, roupa e
abrigo, que Deus dá a todos os homens indiscriminadamente, onde e
quando Lhe parece bom fazê-lo.”[2] Podemos provar
isto biblicamente com alguns textos, mas o que acho muito especial é o de
Mateus 5.45: “Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e
bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.”
E o que tem a graça comum a ver com a música? Tudo, eu
diria. Em especial este aspecto positivo da graça comum. Àqueles que acham que
o diabo é o pai do rock e que música secular é coisa do cão, tenho a lhes dizer
que estão completamente enganados! A razão de existir música é pela graça comum
de Deus. Observamos isto desde a origem da música, que nasce em Jubal, filho de
Lameque, aquele que matou um porque o feriu, e matou outro porque o pisou (cf.
Gn 4:19-24). Nota-se, portanto, que a música não tem sua origem num berço lá
muito “amável”, digamos assim. Contudo, mesmo sendo criada por um descendente
de Caim, em última análise, a origem da música é divina. Ou seja, Deus dotou um
homem de uma ascendência má a produzir algo que seria usado para a glória
d’Ele!
Bom, e daí? Daí, que não é possível enxergar a dicotomia
que muitos enxergam, entre música secular e música sacra. Afinal, a música é
uma dádiva de Deus para os homens (sejam bons ou maus). Aqui chego a uma
distinção da música que meu professor, Rev. Charles Melo de Oliveira, costuma
fazer: “Talvez, a melhor maneira de classificar a música, quem sabe a mais
justa, ainda que aparentemente pueril, seja: ‘música boa’ versus ‘música ruim’.”[3]. Os critérios para definir se uma música é boa ou ruim tem espaço pra
outro artigo, que por sinal já existe e recomendo que você o leia aqui.
Diante do que foi dito aqui, a conclusão a que posso
chegar é: a música, assim como qualquer arte (pintura, poesia, dramaturgia), é
dádiva de Deus ao homem. Se há verdade deve ser imediatamente recebido como
tal, mesmo que venha da pessoa mais ímpia que você possa imaginar.
Ser cristão não é ser um alienado dissociado da cultura e
totalmente hostil a tudo aquilo que é produzido por um não-cristão. Nem o
apóstolo Paulo agiu assim! Em seu discurso no areópago, a fim de defender a fé
cristã, Paulo lançou mão de filósofos de seu tempo (Atos 17). Escrevendo a Tito
ele citou Epimênides, e quando Calvino comentou este texto (Tito 1:12),
sabiamente disse que toda verdade é verdade de Deus!
Amigo leitor, tenha consciência de que a música, mesmo
feita por um ímpio, é dádiva de Deus! Ou poderia o diabo criar algo tão bom?
Contrariando o que Tiago nos ensina: “Toda boa dádiva e todo dom
perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir
variação ou sombra de mudança.” (Tg 1:17)? Sinceramente, não creio que
Deus agiria contra sua própria palavra.
É claro que você não vai agora sair e ouvir qualquer lixo musical que existe por aí justificando-se com a
graça comum de Deus. Afinal, o que deve ocupar nossas mentes está muito bem
descrito em Filipenses 4.8. Contudo, você pode, sim, ouvir composições de não
cristãos que são, de fato, bem elaboradas, bem compostas, evidências,
realmente, da graça comum de Deus.
Pra fechar: o diabo não é o pai
do rock. Deus é!
Em Cristo,
Arthur Corrêa
PS. Agradecimento especial ao meu parceirão Maicon Custódio pelos toques dados nesse artigo.
[1]
Extraído do artigo: “Natureza e graça – Francis Schaeffer”, do blog http://josemarcuriosidades.blogspot.com.br.
[2]
Louis Berkhof, Teologia Sistemática
(São Paulo: Cultura Cristã, 2009).
[3]
Extraído do artigo: “Música boa e música ruim”, do Rev. Charles, no blog http://arteejubilo.blogspot.com.
Boa, boa!!!
ResponderExcluirExcelente e eu tive o privilégio de ler antes da publicação, rsrs
Obrigado pela menção!
Abração
Valeu, Maicon!
ResponderExcluirPrivilégio fui eu quem tive de ter vc como revisor! rsrsrs
Forte abraço!